Reportagem
O CISMA DA GRANJA DO TEDO

A história de Maria das Neves, e do Cisma da Granja do Tedo, veio ao de cima com a não menos extraordinária história da sua filha, Antónia Custódia das Neves, a famosa mulher-homem, criada como rapaz na Granja do Tedo, concelho de Tabuaço. Mas a história que importa aqui contar é a de sua mãe, Maria das Neves, enquanto fundadora de uma seita que em meados do século XX muitas preocupações deu às autoridades da região e que, até aos dias de hoje, continua a suscitar curiosidade, inclusive no meio cinematográfico (https://www.youtube.com/watch?v=WTLwIXkOdEo&t=23s ), para o qual contar esta história é um admirável desafio.

 

Maria das Neves, conhecida como Maria Coroada, era analfabeta mas soube aproveitar os ensinamentos de um manuscrito do livro dos Mórmons que o irmão Basílio tinha trazido de Lisboa, depois de cumprir tropa no Regimento de Lanceiros, no ano de 1840, e em breve lideraria uma seita que congregava algumas centenas de seguidores que participavam em missas celebradas na sua casa, que denominava como Arca da Aliança, em que se apresentavam despidos e engrinaldados de flores, sob a regência do seu irmão António Custódio, que se autodenominava Galo-Galarim e, todo nu, aparelhava-se com asas brancas, que utilizava para dar o sinal para os fiéis se reunirem ou dispersarem, bastava batê-las.

Coroada explicava, em forma de sermão, o que era o céu, o inferno, e o purgatório, e o que lá tinha visto, nas diferentes viagens que dizia ter feito por aqueles mundos desconhecidos. Para estes sermõesos seus irmãos construíram-lhe um púlpito e ela tratou de arranjar um Padre-nosso, uma ave-maria, ladainhas e outras orações muito próprias e inventou ainda um modo particular de cada um se benzer.

Esta seita durou mais ou menos 7 anos na Granja do Tedo, actualmente classificada como Aldeia Preservada. Conforme referem Pinho Leal e o Abade de Miragaia, no livro Maria Coroada ou o Cisma da Granja do Tedo, que foi publicado no Porto, em 1879, com os pseudónimos de Patrício Lusitano e Pantaleão Froilaz, foi em 1847 que uma guerrilha irrompeu pela casa de José Custódio, na Granja do Tedo, onde moeram com pauladas e pontapés todos os homens que puderam agarrar e, levantando as saias às mulheres, deram-lhes uma boa dúzia de açoites com chicotes e tenazes. Foram-se ao trono e à dorna, ao púlpito, à roda dos quadros-vivos e a toda a mais trapalhada que encontraram na Arca da Aliança, e fizeram tudo em pedaços! Levaram-lhes as bandeiras e  os livros da seita, que continham a sua doutrina e orações próprias, ameaçando aquela pandilha de lhes acabarem com o fadário e incendiar-lhe a casa se continuassem com as suas actividades.

Terá sido assim que acabaram com esta seita. Os seus membros e seguidores nunca mais se juntaram. Maria das Neves, A Coroada, no entanto, permaneceu na Granja do Tedo e continuou a sua actividade como benzedeira da aldeia, ensinamentos que lhe foram passados, ainda muito nova, pela “benta de Lumiares”, aldeia próxima.


Manuela Martins

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